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«As mulheres são por natureza mais emotivas em tudo o que fazem»

Carlos Machado faz um balanço positivo do trabalho desenvolvido pela equipa até ao momento da paragem do Campeonato Nacional feminino da II Divisão devido ao Covid-19. Nesta entrevista, o treinador do Vilaverdense FC abordou vários temas da época.

Desportivo: Que balanço faz da época até este momento?
Carlos Machado:
Julgo que foi uma época inesquecível por tudo o que passamos e claro com momentos mais positivos que negativos. Mas não nos podemos esquecer desses momentos menos bons pois foram os responsáveis pelo nosso crescimento.
Sabíamos desde o primeiro dia que não éramos favoritos à passagem à fase seguinte e foi com esse espírito que encaramos o campeonato.
Cada “erro” e cada derrota  levaram a que o grupo se unisse cada vez mais num sentimento inexplicável de vontade de dar o máximo pela equipa e pelo clube.
Posso confidenciar que chegámos a treinar com 12 jogadoras e algumas delas doentes ou lesionadas quase a fugir da fisioterapeuta para não serem impedidas de treinar, porque a vontade de ajudar a equipa falava mais alto.
Em termos pessoais, esta época tem um misto de emoções. Tinha terminado uma aventura pela Arábia Saudita, esta foi a primeira experiência ao nível do futebol feminino e agora uma pandemia. Julgo que vai ser um ano irrepetível!

Sempre acreditou que era possível chegar a fase de subida?
Estou a ser o mais sincero possível, sim. Desde o dia que me contactaram e perguntei quais os objectivos, o meu trabalho foi rapidamente perceber quais eram as nossas qualidades e as fragilidades para potenciar o máximo a equipa.  Depois perceber que tipo de adversários ia encontrar e as suas particularidades.
Sempre foquei que este era o nosso objectivo e para isso foi necessário um esforço de todos. Dos meus adjuntos, que sempre apoiaram e estiveram disponíveis, dos directores que não deixaram que faltasse nada à equipa e da fisioterapeuta que fez alguns “milagres”.
Eu dizia-lhes muitas vezes no balneário: vontade de ganhar todos tem, agora vontade de preparar-nos para ganhar só alguns. E foi essencialmente essa a mentalidade que lhes consegui incutir.

«Acabámos a primeira fase
a marcar em todos os jogos»

Foi difícil a adaptação ao futebol feminino?
Não vou dizer que foi fácil. Tem algumas particularidades. Obviamente a parte do balneário foi a mais visível. O ter de esperar que as jogadoras se equipem para poder entrar, levou a que tivesse de adaptar a minha postura de forma a rentabilizar todos os momentos.
Em termos de treino e jogo existem diferenças morfológicas e fisiológicas, mas isso foi superado a partir das primeiras semanas em que existiu um maior conhecimento das qualidades de cada atleta.
Nesse sentido, considero que a capacidade de adaptação do treinador é fundamental.
O futebol é completamente diferente fruto das vivências do cada um. Uma análise simples é o número de anos de prática que um homem apresenta quando chega aos 20 anos. Normalmente já levam mais de 12 anos de prática federada.
Uma mulher actualmente é capaz de chegar aos 20 anos com 6 anos de prática, na melhor das hipóteses.  E como sabemos a prática leva a perfeição.
Com o aumento do número de treinos e jogos percebi as particularidades deste campeonato e das jogadoras. Melhorámos imenso com a mudança de sistema e terminámos o campeonato contrariando uma regra que vinha de épocas anteriores, pois a equipa tinha uma dificuldade imensa na finalização.
Acabámos a primeira fase a marcar em todos os jogos.

Quais as maiores dificuldades que encontrou?
A primeira foi a forma de comunicar. Não me esqueço do primeiro treino em que abordei a ideia e o modelo de jogo e obtive logo este feedback: ” mister em muitos anos que jogo nunca tive uma conversa destas com um treinador”.
Nesse sentido, todas as semanas existia um “momento aberto” em que eu abordava a nossa maneira de jogar e elas tinham a oportunidade de expor as suas dúvidas.
Nesse aspecto, foi fundamental a ajuda do meu adjunto Rui e da Directora Cátia, que realizaram algumas sessões de psicologia no sentido de melhorar a comunicação entre colegas e com a equipa técnica. E claro a emotividade, as mulheres são por natureza mais emotivas em tudo o que fazem. Só tive de aproveitar isso para que elas utilizassem essa energia em beneficio da equipa.

 

«A mulher  só por si leva a
uma preocupação extra pelo peso»

O plantel está parado ou estão a trabalhar em casa?
Elas mantém-se activas porque já lhes está na natureza. Acredito que o factor mulher  só por si leva a uma preocupação extra pelo peso. Esta parte acho que é mais fácil em comparação com os homens. Já sei que vou ouvir quando voltarmos aos treinos (risos).

Tem mantido contacto com as jogadoras?
Mantemos  ligação,  mas claro que todos sentimos saudades do contacto quase diário. Foram muitos meses de convívio e a forma abrupta com que tivemos de suspender as actividades não ajudou.

7- Que conselhos lhe tem dado às jogadoras?
Acima de tudo que se mantenham em casa, nesta fase é o fundamental. Depois que não se deixem “adormecer”. Existem inúmeras opções para se manterem activas. Nos dias mais difíceis basta assistir a uma das alternativas que estão a ser colocadas nas redes sociais pelos ginásios.

«No nosso caso, visto que não somos profissionais,
esse recomeço é possível»

Acredita no recomeço do campeonato?
Acredito que no nosso caso específico, visto que não somos profissionais, esse recomeço é possível, dependendo sempre das decisões que o Governo tome relativamente ao estado de emergência.  Se esta situação se prolongar, o mais provável é o campeonato não recomeçar, por muito que eu quisesse voltar já amanhã.

Se recomeçar qual o objectivo para a segunda fase?
Desfrutar! Acima de tudo aproveitar o momento. Jogamos sem pressão, mas com o objectivo de honrar o clube. Podem ver esta fase como uma montra.

 

Se não recomeçar devia ser considerado nulo o campeonato?
Esta é a resposta mais difícil, pois é impossível dissociar o sentimento que envolve. Obviamente que o facto de termos garantido a manutenção na II Divisão tem peso na minha resposta.
Mas tentando ser o mais isento possível, julgo que não corro o risco de ser injusto se disser que as equipas que já garantiram a manutenção merecem ficar na II divisão, iniciando-se assim com a III divisão, que só beneficiariam a competitividade do futebol feminino.