Formação ou submissão? A verdade dos bastidores

Quando o foco deixa de ser o desenvolvimento e passa a ser a conveniência, o desporto perde-se do essencial. A formação desportiva é, ou devia ser, um caminho feito de esforço, tempo e aprendizagem.

Um processo onde se ensina mais do que técnica: ensina-se compromisso, humildade, espírito de equipa. Mas, por vezes, esse caminho é desviado por pressões externas que pouco ou nada têm a ver com o jogo em si.

Não é preciso muito para que um ambiente saudável se transforme num palco de decisões enviesadas. Um apoio financeiro aqui, uma promessa ali — e, de repente, o que era uma dinâmica de crescimento baseada no mérito, passa a girar em torno de outras prioridades.

O talento dá lugar à conveniência. O esforço perde força perante a influência. Há quem suba por merecimento e quem avance porque alguém decidiu que sim.

E, no meio disto, quem sente verdadeiramente o impacto são os jovens atletas. Uns estranham, outros conformam-se, e há ainda os que desistem — não por falta de paixão, mas por perceberem que a balança já não está equilibrada.

A formação devia ser um espaço seguro, onde cada passo em frente fosse conquistado no treino, no suor, na persistência. Onde todos soubessem que as oportunidades não se compram, conquistam-se.

Quando isso deixa de acontecer, instala-se um sentimento subtil, mas corrosivo: o de que o jogo pode não ser justo. Não se trata de apontar dedos.

A verdade é que vivemos tempos em que o desporto se tornou, também, uma vitrina. Há investimentos, há interesses, há expectativas. Mas nada disso deveria anular a essência do que é formar: ajudar a crescer, com verdade, com critérios claros, com o foco onde ele deve estar — no desenvolvimento dos jovens, enquanto atletas e enquanto pessoas.

É por isso que importa lembrar, sempre, que o desporto forma. E, como qualquer formação, precisa de ser limpa, coerente e justa. Para que cada criança ou jovem que entra num campo leve consigo, para a vida, mais do que um troféu: leve valores.

Porque mais do que ensinar a ganhar, o desporto ensina a tentar. Ensina a esperar, a ouvir, a respeitar. Ensina que o lugar no jogo, tal como na vida, não é garantido — é construído. E que nem sempre se vence, mas que vale sempre a pena esforçar-se.

É nesse espaço invisível, entre uma substituição e um aplauso, entre um treino difícil e um momento de superação, que se moldam atitudes que ficam muito para lá da idade de formação.

O campo pode ser pequeno, mas o que ali se aprende pode durar uma vida inteira. No fim, poucos se lembrarão dos resultados. Mas muitos recordarão quem os tratou com justiça, quem lhes deu uma oportunidade real, quem os viu pelo que são — e não pelo que podiam representar fora do campo.

Essa é a verdadeira vitória da formação. E não aparece nas estatísticas.

Rui Jorge Machado, treinador UEFA B